Saturday, January 27, 2007

Heteronomologia

Fernando Pessoa foi-nos apresentado como o poeta mais "nosso" contemporâneo que haviamos estudado. A ideia parecia boa: afinal, todos os escritores que tinhamos estudado viveram há séculos. Quando me debrocei sobre as primeiras letras, as primeiras palavras, as primeiras ideias, a ideia inicial já não parecia assim tão boa. O "nosso" pessoa, um dos símbolos máximos da nossa literatura, um artista no seu estado mais puro (desculpem-me, mas eu acho que um artista que escreve completamente bebado, 30 e tal poemas numa única noite, fruto de uma inspiração que não se sabe muito bem donde, tem de ser um artista, acima de um louco, ponto final!) não era assim tão bom para mim quanto era apregoado. Adivinhava-lhe, então, um lugar na minha memória semelhante aquele que dei ao meu primeiro, último e único livro de António Lobo Antunes - e estou agora mesmo a olhar para ele na estante. Aliás, só a ideia de um homem se dividir em dezenas de heterónimos (apenas estudamos os 3 mais conhecidos) deixa libertar um pequeno sorriso. Sorriso de loucura, diria eu.
Ao longo do passar das aulas, das semanas, Alberto Caeiro começou a fazer sentido dentro de mim. Fazia sentido olhar para a Natureza e admirá-la. Fazia sentido não pensar. Sebem que ache que ele encontra uma negação à filosofia dentro da própria filosofia - que é por si só uma contradição (perdoável). Com ele se seguiram Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
Tudo faria então sentido. Ele oferece a sua existência a outras pessoas que ele dentro da sua cabeça criou, como modelos, como utopias, de tudo aquele que ele gostaria de ter sido, por não suportar a sua própria existência.
E agora, se pensarmos bem, haverá assim tanta diferença entre criar heterónimos e embriagarmos-nos? Mas a primeira, meus amigos, não duvidem como eu duvidei: é arte!

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