Tuesday, March 13, 2007

Conversa entre três "eu's"

Para que terras vai e donde vem?
Venho dos lados de Beja
A que distância!...
Tristeza ou alegria o traz?
Cansaço
Há doenças piores que as doenças
Mas que são dolorosas mais que as outras
Tenho uma grande constipação
E toda a gente sabe como a grandes constipações
Alteram todo o sistema do Universo
Ah nessa terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Nunca o saberei
Tem de pensar além da dor
Que é que me revela?
Mas – esta é boa! – era do coração
Quem to disse tão cedo?
A vida…
És melhor do que tu
Não digas nada: sê!
Estou lúcido e louco
Se ao menos endoidecesse deveras!
Estala, coração de vido pintado!
Que amor não se explica?
Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz
E te disse ao ouvido o que sentia?
Um momento… Dá-me ali um cigarro,
Do maço em cima da mesa de cabeceira
Continua… Dizias
Deus quis que a Terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Como a vida
(Neste momento entra em cena Alberto Caeiro)
Mestre, meu mestre querido!
Vida da origem da minha inspiração!
Que é feito de ti nesta forma de vida?
Tinha fugido do céu.
No céu tudo era falso
No céu tinha de ser sempre sério
E até com um trapo à roda da cintura.
O mistério das coisas, onde está ele?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
O mistério das coisas? Sei lá o que é Mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Não sei… Eu sou um doido que estranha a sua própria alma
Ali o azul do céu
E, se bem que seja obscuro
Sem o saber
Atrai e dói
Que te diz o vento que passa?
Não sei… eu perco-o… E outra vez regressa
Escuto-o… Ao longe, no meu vago tacto
Como uma onda de encontra à minha dor
E sorriste porque tudo te é fácil e inútil.
Se têm a verdade, guardem-na!
E a ti o que te diz?
Chama por mim, chama por mim, chama por mim…
O meu passado ressurge, como se esse grito marítimo
Fosse um aroma, uma vez, o eco duma canção
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira
Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala de vento
O que lhe ouviste foi mentira
E a mentira está em ti
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei e foi comigo
Há muita coisa
Incompreendida…
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As coisas não têm significado: têm existência
As coisas são o único sentido oculto das coisas
O que é o presente?
A criação do futuro…
Concordo em absoluto
Mas a minha imaginação recusa acompanhar-me
E de repente, mais de repente do que da outra vez, de mais longe, de mais fundo,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim
Ah, como eu pude pensar, sonhar aquelas coisas?
Não significam nada.
Tudo o que sonho ou passo
Não tem lugar, não tem verdade,
Atrai e dói
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Quem to disse tão cedo?
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
(Neste momento entra em cena Ricardo Reis)
A resposta está para além dos Deuses.
Homem, é igual aos deuses.
Só nós somos sempre iguais a nós próprios.
Sei a verdade e sou feliz.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez.
Triste de quem é feliz!
Penso com os olhos e com os ouvidos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
Tentemos pois como abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza.
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões.
A única conclusão é morrer.
Morre! Tudo é tão pouco.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Não me macem, por amor de Deus!
E assim a hora passa
Metafisicamente.
Tirem-me daqui a metafísica
Vão para o diabo sem mim.
Calma, também
Não vale a pena.
Não me peguem no braço!
E basta.
Faço-os calar: eu falo.
Estás só. Ninguém o sabe cala e finge
Mas finge sem fingimento.
Porque tão longe ir pôr o que está perto –
A segurança nossa? Este é o dia
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

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